quinta-feira, maio 20, 2004

Treacherous memories

Confesso o meu fascínio por este livro. "Em nome da terra" de Vergílio Ferreira entra para o meu rol de livros de culto. Transcrevo mais uma passagem que encontrei e na qual revejo as minhas relações com as recordações de infância.

"...Mas é assim com tudo na vida. Às vezes coisas raquíticas na sua importância crescem connosco, nunca te aconteceu? Crescem connosco como carraças, ferradas em nós num sítio invisível. Ou como pequenas agulhas que os médicos esquecem nos doentes quando os operam até que um dia doem e se sabe que estão lá. Porque diabo estas coisinhas minúsculas nunca se despegam de nós e há outras de grande tamanho, com possibilidade vitais, e que nos largam no caminho? Quem é que vem fazer-nos a selecção? O homem é um ser tão improvável. Há um modo incompreensível de a gente ir sendo e há o incompreensível de as coisas pertencerem ou não a esse modo. Todos os dias a gente vai metendo coisas ao bolso, Mónica. E de vez em quando levamos a mão ao bolso e das muitas coisas que lá metemos só lá está o cotão. Ou então estão só merdículas sem importância, bocados de frases que já nem sabemos o que querem dizer, piadas para atrasados mentais mas que não arrancam dali, restos de vexames ou alegrias incompreensíveis, recortes de coisas que não encaixam em nada porque se perdeu o plano geral, locais e horas em que se foi vivo não se sabe porquê - quem é que nos organiza este mapa esfarrapado?..."