domingo, junho 25, 2006

Kyu? Renshi? Dan? Sempai?

<Contexto>
Comecei a praticar Kendo em Setembro de 2004, arte que continuo a praticar até hoje. Iniciei a prática do Aikido, em Outubro de 2005. A prática de ambas as disciplinas está ligadas à escola Ten-Chi Internacional.
Possuo naturalmente uma experiência ainda reduzida na prática do Budo que tenciono evidentemente fazer crescer. Não deve por isso este texto ser tomado como uma matéria autoritária mas apenas como (mais) uma opinião neste assunto.
</Contexto>

A prática das disciplinas que mencionei acima está naturalmente associada à cultura que as criou e mais do que isso, ao seu ambiente de origem. Das ancestrais artes da guerra (Bujutsu) até à moderna vertente por muitos ligada ao aperfeiçoamento do ser (Budo) deu-se um salto significativo (ver aqui). Qual é então o cordão umbilical que une passado e presente? O que justifica a necessidade dessa ponte? Fará sentido alguém envolver-se numa cultura que não é a sua sem antes a compreender minimamente? Fará sentido carregar o peso de uma tradição que parece por vezes descontextualizada?

A resposta à primeira pergunta dá o tom para o resto deste texto. O cordão de que falo é naturalmente a tradição, expressa nas raízes marciais dos métodos que estudamos bem como na etiqueta normalmente associada a este tipo de prática.

A segunda questão que se levanta tem a ver com a dificuldade de o mundo ocidental compreender o que está por detrás dos rituais de etiqueta (reigi). O que me obriga a fazer uma vénia ao meu Aitê antes de o projectar no tatami? Porque devo ouvir atentamente o que me diz um dado sempai se ele provavelmente perderia se fizesse shiai contra mim?

A terceira questão irá dar-nos a resposta à anterior. Só olhando um pouco para oriente e tentando perceber os sistemas de transferência de conhecimento (vulgo escolas ou ryu :-) associados às artes da guerra poderemos compreender e aceitar as hierarquias que nos são impostas durante a prática de uma qualquer via (dô) seja ela de que natureza for. Se durante a prática mantivermos a consciência de que estamos a aprender algo que descende directamente de artes militares (ainda que adaptado ao mundo moderno e com vista ao enriquecimento pessoal) será mais natural aceitar as hierarquias, conservar o respeito colectivo durante a prática, criando um ambiente em que é fácil manter uma vigilância elevada (zanshin) e assim melhor aprender. (*)

À quarta pergunta respondo com o provérbio português que nos aconselha a não sermos mais papistas que o Papa. Algumas escolas levam a extremos a etiqueta e a disciplina. Através de leituras na Internet e opiniões de outros budocas fiquei com a noção de que mesmo no japão os dojos têm vindo a flexibilizar-se um pouco (demais?), mercê dos tempos modernos. Não nos compete a nós, ocidentais que se pretendem imersos no aroma da flôr de cerejeira, ser por isso mais samurai que Tokugawa Ieyasu. O tempo que se perde com os excessos de vénias e afins quebra o ritmo de prática. Por outro lado a ausência de um reigi concreto e que demonstre o respeito pelo que praticamos, por quem nos ensina e por quem pratica connosco é prejudicial pois transforma budo em algo que não o é. Se fosse para suar um bocado, íamos jogar à bola.

Defendo por isso que durante a prática de qualquer disciplina do Budo o praticante encarne o seu papel como receptor de um conhecimento, inserido dentro de uma cadeia hierárquica. Este tipo de cadeia é em tudo semelhante ao paradigma de organização militar ocidental ou não fosse ela também descendente de uma linha marcial. Assim, o comportamento que se espera é o de alguém que está pronto a receber conhecimento, que se esforça por aplicar esse conhecimento nos diversos exercícios durante o keiko e que aceita humildemente as correcções sinceras de todos, sejam estes sempai, dohai ou kohai contribuindo por sua vez para esta cadeia de aprendizagem. Só assim será possível manter um dojo a funcionar em boa harmonia.

Finalmente gostaria de deixar uma ligação para o artigo do Furyu the Budo Journal que inspirou este texto. Martial Arts Terms and Definitions (2) - Sensei, Sempai, and Other Terms Used in Training

Novamente ressalvo que decidi partilhar este texto, não obstante a magra experiência nesta área por achar que é um assunto pertinente e porque precisava de fazer um post no blog.

(*) - Obrigado Henrique pelas tuas sábias palavras que me inspiraram neste parágrafo

1 Comments:

At 2:00 da tarde, Blogger O invisível said...

Só não percebo porque tens de tirar importância ao jogo da bola quando é por demais evidente que nele existe toda uma mecânica tanto de etiqueta (o cuspo a seguir ao toque de bola, o agraciamento da rótula alheia, etc.) como de respeito pelos superiores(enxovalhamento do mister ou o tão importante "pó caralho" dirigido ao árbitro). Já agora, acho que vocês são todos uma cambada de snobs. Se insistem na ideia que praticam uma arte e não um desporto porque é que, em vez de dizerem que vão ao treino, não dizem que vão pro atelier? Seria muito mais catita, e distanciar-vos-ia desta escumalha que pratica desportos. beijinho e sayoonara.

 

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